O que é a NATO e o que representa no âmbito do conflito na Ucrânia

As capacidades da NATO e a sua reputação podem até não ser o que eram antigamente, mas os especialistas acreditam que a NATO ainda é a aliança militar mais poderosa do mundo e que, portanto, pode e deve desempenhar um papel importante na crise na Ucrânia.

Secretário geral da NATO, Jens Stoltenberg (c) no arranque do encontro da NATO no âmbito da situação na Ucrânia, a 25 February 2022.

Secretário geral da NATO, Jens Stoltenberg (c) no arranque do encontro da NATO no âmbito da situação na Ucrânia, a 25 February 2022. Source: AAP

A NATO tem limitações na resolução do conflito na Ucrânia, mas os especialistas dizem que o seu papel na criação de obstáculos e prejuízos para a Rússia continua a ser crucial.

A organização do tratado ofereceu muito apoio político, económico e militar defensivo à Ucrânia desde que a Rússia iniciou a sua invasão no dia 24 de fevereiro. Mas, até agora, recusou-se a apoiar a Ucrânia naquilo que esta mais tem pedido: uma zona de exclusão aérea sobre o país.

O presidente da Ucrânia, criticou a NATO por ter "medo do confronto com a Rússia" e até esmoreceu na intenção de se juntar à aliança, coisa em que antes demonstrou ter tanto interesse.
Volodymyr Zelenskyy
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, numa conferência de imprensa em Kyiv, já depois da invasão da Rússia. Source: AAP Image/Ukrainian Presidential Press Office via AP
Assim sendo, e à medida que o conflito na Ucrânia atinge diferentes patamares catastróficos a cada novo dia, qual é, afinal, a importância da NATO na estratégia de aumento da pressão sobre o presidente russo, Vladimir Putin? Como é que a NATO pode, efetivamente, ajudar a resolver este conflito? E quão significativo é o papel de países fora da NATO, como seja a Austrália por exemplo, no processo desta guerra?


O que é a NATO e como aderir?

A NATO - North Atlantic Treaty Organization (ou OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi criada em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, como resposta à ameaça representada pela União Soviética.

O objetivo inicial da NATO era garantir a paz na Europa, promover a cooperação entre os seus países membros, criar união, mas sempre protegendo a liberdade individual de cada um. Até hoje, este objetivo permanece.

Os 12 membros fundadores da NATO incluíam os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e vários países da Europa Ocidental.

Desde então, muitas outras nações se juntaram incluindo a Grécia, a Turquia, a Alemanha, a Espanha e países do ex-bloco soviético, elevando o número total de membros para 30 atualmente. Alguns países europeus, como Suécia e Finlândia, optaram por permanecer neutros e não participar desta aliança militar.

A NATO garante a liberdade e a segurança dos seus membros por meios políticos e militares.

O artigo 5º do tratado diz que “um ataque armado contra um será considerado um ataque contra todos”.

O especialista em assuntos relacionados com a NATO da London School of Economics, Dr. Luca Tardelli, disse que, fundamentalmente, a NATO tem tudo a ver com defesa mútua.

“Foi realmente um tratado que, na época, permitiu que os membros da Europa Ocidental tivessem a garantia do compromisso americano, especialmente na defesa da Europa”, disse Tardelli à SBS News.
Para aderir à NATO, um país deve ser europeu, seguir os princípios democráticos e contribuir para a segurança da zona euro-atlântica.

Além disso, cada país junta-se ao chamado plano de ação conjunta, que fornece ajuda personalizada para atender às reuniões.

Cada novo país deve ser aprovado por unanimidade pelos membros da NATO.

O passo final de entrada na NATO é a adoção do novo país ao seu próprio projeto de lei de ratificação por meio de um referendo ou votação parlamentar.

Tardelli diz que todo o processo pode ser demorado:

“Leva anos para que estas reformas aconteçam, coisas tais como o controle democrático das forças armadas, assegurar que o país possa garantir o estado de direito, bem como um determinado padrão democrático.”


Porque é que a Ucrânia quer fazer parte da NATO, e por é que ainda não é membro?

“É bastante óbvio por é que a Ucrânia quer juntar-se à NATO - porque é assim que pode obter segurança em relação à Rússia ou apoio contra qualquer outro país que queira atacar o seu território. Mas para já isso não vai acontecer”, disse o ex-embaixador do Reino Unido na Ucrânia, Robert Brinkley, à SBS News.

John Blaxland é professor de Segurança Internacional e Estudos de Inteligência na Australian National University e diz que, para a Ucrânia, o apelo da Europa sobre a Rússia é "compreensível".

"Gosta da ideia de uma sociedade liberal democrática aberta que promova o estímulo económico, o desenvolvimento e o crescimento", disse Baxland à SBS News, acrescentando ainda:
A Rússia tornou-se cada vez menos atraente nos últimos anos sob o controle cleptocrata de Putin e seu círculo íntimo. É completamente compreensível o porquê da Ucrânia querer estar na NATO e na UE
Em 2008, a NATO prometeu admitir a Ucrânia assim que esta cumprisse os seus critérios fundamentais. Mas um ponto de discórdia chave neste processo é o facto da Ucrânia ter disputas territoriais externas não resolvidas.

“Permitir a entrada da Ucrânia teria levantado outros problemas para a NATO; estariam os membros da NATO preparados para defenderem a Ucrânia em caso de confronto? Claro, esta é a principal razão pela qual, em última análise, houve um atraso no plano de adesão – houve um debate entre todos os membros da NATO e é por isso que ainda não aconteceu”, disse Tardelli.

Por enquanto, a Ucrânia continua a ser um parceiro de oportunidade reforçada, um status concedido a países não membros, como é o caso da Austrália.

Em retrospetiva, Blaxland acredita que as discussões sobre a adesão da Ucrânia à NATO foram "ingénuas":
A ideia de que poderia ser discutida a hipótese da adesão da Ucrânia à NATO e não obter uma reação da Rússia foi claramente ingénua, e agora isso ficou muito claro para todos

 Quão útil foi a NATO em conflitos anteriores?

O sucesso da NATO em conflitos passados ​​foi "na melhor das hipóteses, misto", diz Blaxland.

Na Guerra do Kosovo, que começou em 1998 e foi travada entre a República Federativa da Jugoslávia (Sérvia e Montenegro) e o Exército de Libertação do Kosovo, a NATO interveio em 1999 sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. Os seus ataques aéreos causaram centenas de mortes de civis e um grande número de refugiados kosovares.
Imagens da guerra na Sérvia, em 1999, conflito no qual a NATO interveio.
Imagens da guerra na Sérvia, em 1999, conflito no qual a NATO interveio. Source: AAP
Na época, atacar a Sérvia (aliada da Rússia) também prejudicou as relações da NATO com a Rússia, diz Blaxland.

"Isso, sem dúvida, contribuiu para uma quebra de confiança por parte da Rússia – sendo a Sérvia um parceiro de segurança próximo da Rússia e um país culturalmente próximo também."

Em 2003, a NATO assumiu a liderança da International Security Assistance Force (ISAF)/

Força Internacional de Assistência à Segurança no Afeganistão, com o objetivo de garantir que os afegãos pudessem fornecer segurança eficaz para combater o terrorismo. A NATO descreve esta como a sua "missão mais desafiadora até hoje". A ISAF foi dissolvida em 2014 e as forças afegãs assumiram total responsabilidade pela segurança de seu país. O Afeganistão voltou a ser governado pelo Talibã em agosto de 2021.

Enquanto isso, a invasão do Iraque, também em 2003, dividiu a aliança, alguns países da NATO aderiram e outros optaram por não o fazer.
Durante a invasão no Iraque, em 2003, a NATO dividiu-se e alguns países da aliança envolveram-se enquanto que outros optaram por não o fazer.
Durante a invasão no Iraque, em 2003, a NATO dividiu-se e alguns países da aliança envolveram-se enquanto que outros optaram por não o fazer. Source: Getty
"Isso teve um efeito incrivelmente corrosivo na coerência e determinação ocidentais", disse Blaxland.

Então, em 2011, uma coalizão de vários estados liderada pela NATO iniciou uma ação militar na Líbia, impondo zonas de exclusão aérea sobre o país. Isso, mais uma vez, ultrapassou os limites do que o Conselho de Segurança da ONU havia acordado e acredita-se que levou à queda do líder Muammar Gaddafi, contribuindo para os problemas agora em curso na Líbia.


O que Vladimir Putin pensa da NATO?

"A responsabilidade da NATO de proteger ficou inequivocamente manchada", refere Blaxland pensando nos conflitos anteriores que alimentaram a crença de Putin de que a NATO é "permissiva".

Blaxland acrescenta ainda que o presidente russo ganhou ainda mais confiança depois de 2014, quando o seu país invadiu e anexou a Crimeia e começou a controlar as regiões do sudeste ucraniano de Donetsk e Luhansk, conhecidas coletivamente como Donbas:
A sua capacidade de sustentar as sanções desde então, e aguentar as disputas e debates internos na Europa sobre o que vem a seguir, particularmente nos anos pós-Trump e a administração aparentemente fraca do presidente dos EUA, Joe Biden, deram a Putin a confiança necessária para arriscar e invadir
Joe Biden (à direita) e Vladimir Putin (à esquerda), respetivamente os presidentes dos EUA e da Rússia.
Joe Biden (à direita) e Vladimir Putin (à esquerda), respetivamente os presidentes dos EUA e da Rússia. Source: AP
Baxland elabora mais ainda: "Putin sabe que a NATO é uma sombra do que foi em tempos. Além disso, a NATO sempre foi orientada para a defesa, com os países a juntarem-se à NATO, não pelo desejo de se unir à Rússia, mas por medo da Rússia."

O analista da Chatham House Rússia, Keir Giles, concorda que o comportamento da Rússia é o principal fator para os países aderirem à NATO.

“A Rússia não entende que os países querem juntar-se à NATO precisamente por causa do comportamento da Rússia, e não porque a NATO é uma organização expansionista que tenta trazer os países até si”, disse ele à SBS News.

O Kremlin opõe-se fortemente à expansão da NATO através da inclusão da Ucrânia pois vê este país, e outros não membros da aliança que possam também vir a aderir no futuro, como países que ficam contra a Rússia funcionando como mais um ´entrave´ no seu caminho, diz Giles que ainda acrescenta o seguinte a este propósito:
A razão pela qual a Rússia não quer que nenhum dos seus vizinhos se junte à NATO é muito simples. Se o fizerem, isso impedirá a Rússia de fazer com esses vizinhos exatamente o que está a fazer com a Ucrânia agora. A NATO é uma influência estabilizadora porque garante que a agressão russa seja contida
Mas as capacidades militares das organizações-membro diminuíram severamente nas últimas décadas – e Putin sabe disso, observa Blaxland:

"Esses estados não estavam propriamente a pensar confrontar a Rússia neste momento. E as forças armadas não podem ser expandidas da noite para o dia. E é isso que os países da NATO querem fazer para confrontar uma Rússia que tem com armas nucleares? Isto é um cenário de pesadelo.”


Então, qual é agora a importância do papel da NATO para Ucrânia?

O ex-embaixador do Reino Unido na Ucrânia, Robert Brinkley, diz que é do interesse da NATO ajudar a Ucrânia.

“Eles estão a receber muito apoio político e económico, bem como apoio militar defensivo e isso está a acontecer porque a Ucrânia é uma democracia, é um país livre e soberano que está sob ataque premeditado e não provocado”.

Mas o apoio da NATO não está a responder ao maior pedido da Ucrânia, que quer uma zona de exclusão aérea sobre o seu território. A NATO está a evitar atender a esse pedido específico porque teme que isso resulte num conflito direto com a Rússia.
Esta resistência por parte da NATO, fez com que recentemente a Ucrânia recuasse no seu ímpeto de se juntar à aliança militar mais poderosa do mundo.

No entanto, Blaxland acredita que o papel da NATO continua a ser "fundamentalmente importante" para infligir dor e criar obstáculos importantes à Rússia, através de sanções económicas, através do fornecimento de alimentos, equipamentos médicos e militares à Ucrânia e, finalmente, também através da infiltração nos Media da Rússia.

"Isso irá minar a confiança de Putin em relação à sua capacidade de reunir o povo russo ao seu redor para o apoiar nas suas decisões", disse ele.


E qual é o papel dos países não pertencentes à NATO, como é o caso da Austrália?

Blaxland acredita que a Austrália tem um efeito crítico de "demonstração" sobre como os países vizinhos estão a avaliar e a responder à crise na Ucrânia:

"Os nossos vizinhos no Pacífico e no sudeste da Ásia estão a observar muito atentamente tudo o que a Austrália faz."
A Austrália também está ansiosa para apoiar a ação da NATO sobre a Ucrânia, para salvaguardar os seus próprios interesses futuros na Ásia, acrescenta Blaxland:

"No futuro, pode muito bem ser preciso pedir à NATO que apoie a Austrália e seus aliados em caso de crise. Não quer dizer que a crise a que me refiro possa ser exatamente uma invasão direta de Taiwan. Provavelmente as coisas não acontecerão da mesma forma. Mas a situação será feia e exigirá solidariedade internacional, com certeza. E por essa razão, entre outras, é fundamental que a Austrália continue a apoiar a posição da NATO através de ajuda letal e sanções."

Que resultado espera a NATO alcançar com a pressão e dor que está a infligir na Rússia?

A pressão e dor impostas à Rússia será crucial para trazer Putin à mesa de negociações, diz Blaxland:
Putin tem que sentir que o poder da Rússia está em risco. É preciso sangrar a Rússia para que eles sintam dor suficiente ao ponto de se verem obrigados a fazer cedências e assumirem um compromisso
Baxland acredita que o presidente Zelenskyy pode estar lentamente a reconhecer que a Ucrânia pode ter que fazer algumas concessões à Rússia – já que, por um lado, a NATO não está disposta a apoiar uma zona de exclusão aérea e, por outro, a determinação de Putin parece ser mais forte do que a de Biden.


Mas como seria um eventual compromisso entre a Rússia e a Ucrânia?

Ninguém tem a resposta para esta pergunta neste momento.

Blaxland acredita que, como parte de um eventual acordo, possa dar-se o caso da Ucrânia ser proibida de aderir à NATO:
Esse compromisso pode passar por termos uma Ucrânia geograficamente menor, que exclua a Crimeia e Donbas, mas recupere algum território ucraniano. E, como possível acordo entre as partes pode acontecer que concordem com uma forma de união com a União Europeia, mas que esta não passe pela NATO
Baxland termina a sua análise para a SBS News, apelando o seguinte: "É este plano que o Ocidente deveria almejar e eu acho que isto é exequível."

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Published 16 March 2022 2:22pm
Updated 16 March 2022 2:26pm
By SBS News
Presented by Carla Guedes
Source: SBS

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