Papa Francisco, o perdão aos povos ameríndios e o que isso diz sobre a colonização portuguesa e espanhola

Pope Francis

Pope Francis meets members of an indigenous tribe during his welcoming ceremony at Edmonton International Airport in Alberta, western Canada,24 July 2022. Source: EPA

Victoria Macintosh tem hoje 68 anos, nasceu ameríndia, numa montanha no noroeste do atual Canadá. Ela ainda guarda o abafo, o casaco com capuz que vestia quando em 1960 - tinha ela 6 anos – a mãe a depositou num pensionato nos arredores de Edmonton – provincia de Alberta, no norte gelado do Canadá.


As mães ameríndias – tal como as inuits e as mestiças – sofriam forte pressão para entregarem os filhos aos internatos católicos para que fossem assimiladas, isto é, forçadas a abandonar a cultura indígena nativa, obrigadas a apagar o passado e reeducadas para adotarem a cultura branca – cristã – de facto, católica 

Victoria Macintosh viveu nesse pensionato sem poder transpor os muros do colégio internato durante 21 anos – dos 6 até ao dia em que conseguiu fugir, tinha 27 anos.

Ela conta que sofreu humilhações e abusos, que o padre que governava o internato abusou dela vezes sem conta.

Esse padre tem hoje 92 anos – e provavelmente não vai chegar a ser julgado.

Muitas outras internas do pensionato de Edmonton sofreram o mesmo que Victoria e apresentaram queixa contra esse padre.

As práticas eram idênticas nos outros pensionatos dedicados à política oficial de assimilação dos indígenas, tudo aconteceu durante mais de um século - entre 1880 e 1996.

Está apurado que foram mais de 150 mil as crianças indígenas forçadas a essa assimilação em 139 internatos principais por todo o Canadá – sobretudo no noroeste do enorme país.

A violência incluía submissão à fome e ao não tratamento de doentes.

 A macabra descoberta no ano passado de 215 corpos de crianças sepultadas em modo anónimo junto a um desses internatos, tornou mais insuportável a notícia destes abusos e violências sem fim.

De tal modo que o papa Francisco, horrorizado, apesar de com a saúde debilitada por incapacidade de um dos joelhos, decidiu que teria mesmo de viajar ao Canadá para 6 dias do que chama de peregrinação penitencial

Ele quer, olhos nos olhos, em muitos casos, mão na mão – como o de Victoria Macintosh, pedir-lhes desculpa em nome da igreja católica, por entender que esse é um dever primordial do chefe da igreja católica – para que possa ser construída a reconciliação..

Quase sempre em cadeira de rodas, às vezes de pé e a caminhar apoiado num bastão o papa quer dedicar todos estes 6 dias no Canadá – à peregrinação penitencial como algo que desses por onde desse não queria deixar de fazer.

O grande foco está nos abusos no largo  século de inferno – entre 1880 e 1996 – este o ano em que os pensionatos foram fechados.

Mas o atual  Papa tambem tem consciência de que a origem do mal vem muito de trás – vem do século 15 – o tempo dos descobrimentos, quando um espanhol de Valencia, um homem influente – pelo menos 8 filhos de outras tantas mulheres, Rodrigo Bórgia, foi escolhido para ser papa.

Aconteceu em 1492 – o ano em que Colombo chegou às Caraíbas e voltou para Espanha com ouro, papapagaios, prisioneiros indígenas e siflis

Rodrigo Borgia optou ser designado papa Alexandre 6º.

E, para alem de nomear filhos e sobrinhos para  postos religiosos de cardeais -  teve papel determinante na chamada Doutrina dos Descobrimentos, a doutrina que usou bulas papais para determinar que os navegadores das nações cristãs da europa tomassem terras indígenas e evangelizassem esses povos.

Papas anteriores, designadamente Sisto 4º e Inocêncio 8º já tinham atribuído ao Reino de Portugal o direito exclusivo a negociar como escravo o povo da África ocidental este Papa Alexandre 6º - foi promotor do tratado de Tordesilhas – assinado em 1494 (portanto 2 anos depois de tomar posse)

Um tratado em que o Papa nascido em Valencia dividia o mundo em 2 soberanias – separadas por uma linha vertical na extrema do Atlantico.

Ele pretendia que as Américas ficassem para a coroa de Castela

E África – para Portugal sucede que a linha vertical deixou do lado português uma protuberância da América do Sul – é assim que o Brasil ficou para Portugal.

De facto – é nesse tempo dos descobrimentos – que começam as políticas de assimilação dos indígenas com tanta violência e tanto abuso.

O Papa que vem lá do longe da América do Sul – quer que a igreja repare o passado e cultive a tentativa de reconciliação nestes dias dedica-se aos povos do norte abusados num tempo mais próximo, o último século e meio.

Como pastor da igreja de Roma cumpre o dever de memória – no Canadá, país reconhecido como terra  solidária de acolhimento – mas que ao mesmo tem dentro esse inferno  - o atual primeiro ministro Justin Trudeau já lhe chamou esterilização forçada e genocídio de povos indígenas.

O papa vai logo à tarde no estádio de Edmonton partilhar a dor das pessoas violentadas –  como a Victoria Macintosh do começo desta crónica, olhos nos olhos.

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