Carlos do Carmo: a 'voz de Portugal' despede-se dos palcos

Carlos do Carmo, fado

Source: Image by @porfiriojoao1 via twitter

Foi uma despedida dos palcos em grande apoteose. O Coliseu de Lisboa, a abarrotar. O povo, logo que soube que este era o último concerto de Carlos de Carmo, em poucas horas esgotou os primeiros dois mil bilhetes. Os artistas juntaram-se em peso.


O Portugal político, também ao mais alto nível.

Aliás, até o secretário geral das Nações Unidas, o português António Guterres, de passagem por Lisboa, também esteve na tribuna, tal como o governo em peso e o Presidente da República, aliás, foi este, Marcelo Rebelo de Sousa, a verbalizar o que se sussurrava mas não era dito abertamente: Carlos do Carmo retira-se dos palcos quando tem 80 anos de vida e 60 de carreira, porque a saúde, o coração, não lhe permite continuar.

Carlos do Carmo escolheu retirar-se quando a voz ainda não lhe trai a intenção e a emoção que empresta a cada verso.

Neste adeus aos grandes palcos, o fadista Carlos do Carmo teve no Coliseu de Lisboa uma noite memorável que teve de tudo: das condecorações institucionais em palco a um longo agradecimento a todos os que o levaram até ali. E fados, claro, cantados como se nunca se fosse realmente embora.

Tudo cuidadosamente pensado nesta última subida de Carlos do Carmo a um grande palco. O primeiro verso que lhe ouvimos é “Vim para o fado e fiquei”, do tema com o mesmo título, como se bastasse enquanto explicação para este longo e frutuoso percurso.

Depois do arranque com Vim para o fado e fiquei, talvez a acusar ainda o nervosismo, o arranque da sua última grande noite em palco ou simplesmente ainda a precisar de aquecer, logo a seguir Gaivota já voava bem alto, a sua voz inconfundível não precisando de se proteger, resguardar ou jogar à defesa.

E erguia já aquele seu estilo característico de quem mastiga e solta as palavras com total controlo, para quem o canto namora a palavra dita, numa elegância que aprendeu a escutar a sua mãe, mas também colheu de Frank Sinatra – e isso torna-se ainda mais explícito quando, a meio do concerto, é exibido um vídeo dele com a Count Basie Orchestra, enquanto canta I’ve got you under my skin.

Seguidamente a juntar aos vários temas em que revisita o seu reportório, não falhando nos obrigatórios Os putos, Lisboa menina e moça, Cacilheiro, Homem das castanhas, Um homem na cidade ou Canoas no Tejo, há uma série de vídeos que intercalam ou acompanham as interpretações. E são uma forma de não apenas recordar a sua carreira, mas também de transformar o espetáculo num contínuo agradecimento do fadista àqueles que lhe amparam a voz e lhe dão o espaço para que possa espalhar o charme da sua arte.
Ao cantar Olhos garotos, do reportório de Lucília do Carmo, homenageia a sua mãe; ao entregar-se à narrativa de Os putos, vemos atrás de si imagens de Ary dos Santos, um dos parceiros artísticos fundamentais da sua carreira; ao sentar-se, silencioso, enquanto corre o vídeo da magnífica e tocante interpretação do tradicional açoriano O sol préguntou à lua, sublinha a saudade de Bernardo Sassetti tragicamente desaparecido; ao passar, brilhantemente, por Estranha forma de vida é também Amália que está a ser lembrada.

Com enorme coragem e tocante simbolismo, Carlos do Carmo escolheu despedir-se com Por morrer uma andorinha. O fado não se retira também agora que Carlos do Carmo sai de cena. Pelo contrário, goza de uma enorme vitalidade.

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